Ai, é só a gente deixar que as histórias comecem sozinhas que elas vão direto para o "Era uma vez.."
Está bem. Hoje, vou deixar.
Era uma vez, uma menininha que adorava brincar de professora. Quando as amigas chegavam, ela dizia:
"Vamos brincar de escolinha? Eu sou a professora."
E, se naquele dia ela estivesse brincando sozinha, não tinha problema: ela sentava as bonecas em fileiras a sua frente e ficava dando aula para elas, a voz pausada e grave, o dedo em riste: "Hoje, nós vamos falar de..."
Ela imitava a sua professora na escola, igualzinha, porque admirava-a muito.
Tudo era "a minha professora".
Todos os dias, a menina contava para a mãe o que tinha acontecido na escola, com os mais miúdos e específicos detalhes que conseguia — e vice-versa, claro, porque sentia que a professora era sua amiga de verdade, uma pessoa em quem ela podia confiar.
Sentada no chão com uma, debruçada na mesa da outra, histórias e mais histórias, reais e imaginárias, eram tecidas com os fios castanhos dos cabelos da princesa...
"A minha professora disse que..." era uma frase com a força de mil cavalos. Podia ser o que fosse — nem Deus contestava! (mesmo porque até Ele sabia que não iria adiantar nada!).
Um dia, o pai viu quando ela colocava, disfarçadamente, uma maçã na mochila.
"Eu já pus a sua merenda.", disse ele.
"Esta é para a minha professora", respondeu a menina.
O pai começou a rir: "Xi, essa de levar maçã para a professora é manjada...! Acho que não funciona mais, não!"
Ela empinou o nariz e não disse nada.
No final do dia, estava exultante: "Você disse que não adiantava levar uma maçã para a minha professora, é? Pois vou lhe dizer uma coisa: ela a-d-o-r-o-u!!!"
Quando a professora lhe dizia que ela era linda, era assim que ela se sentia.
Quando a professora lhe dizia que ela era inteligente e capaz, era assim que ela se via.
Quando a professora lhe dizia "Eu tenho orgulho de ter uma aluna como você!", era com a maior alegria que ela se esforçava mais um pouquinho para ser sempre digna da professora que tinha — e dos elogios, é claro!
"O que você vai ser quando crescer?", perguntavam as pessoas. Ela enchia o peito de orgulho e respondia sem piscar:"Professora." Seu destino estava selado! Ela bem que poderia ter escapado!
Mas quem resiste ao canto da sereia do prazer de se fazer o que se gosta???
Por que ela não foi ser médica-engenheira-advogada-dentista como todo mundo???
Não precisaria, diariamente, levantar-se antes do sol, enfrentar os ônibus e os engarrafamentos, tourear 40 crianças com necessidades individuais — e todas com uma mãe que as achava dignas das mais especiais atenções, e todas com um pai, duas avós, várias tias e inúmeras amigas dando palpite em tudo!!!
E ainda tinha a diretora, sempre exigindo mais, e as colegas, com as suas picuinhas e as suas dificuldades, e a vida normal que não parava, marido, casa, filhos...
Ela passava batom no sorriso e seguia em frente, levando alegria e entusiasmo para todos a sua volta, ajudando um, amparando outro, dando mais atenção a um terceiro...
De vez em quando, bem que dava vontade de desistir! Mas ai, justo quando ela estava assim, meio desanimada, devagar-quase-parando, aquela menininha quietinha do cantinho à esquerda levava uma maçã para ela e oferecia-a, timidamente, como quem pede desculpas.
Era a maçã do amor mais verdadeira — e ela se esquecia de tudo, e ficava feliz outra vez, e achava que a sua vida era maravilhosa, porque ela estava sempre recebendo triplicada a alegria que dava e ela, então, atiçava a coragem e o desprendimento que sempre tinha de reserva no coração, para que eles empunhassem as suas espadas e atacassem, prontos para destruir todos os monstros que ameaçavam impedi-la de seguir a sua vocação, que era o seu prazer maior.
Há certas coisas que a gente só faz por amor.
No sorriso e na espontaneidade das crianças, ela tirava o seu verdadeiro sustento — pois nem mesmo o salário baixo conseguia arrefecer o seu entusiasmo!
Ela aprendera a valorizar o que as pessoas têm por dentro, ignorando as belas embalagens cheias de vento, para assim fazer menores as suas próprias necessidades e conseguir ser feliz com o que tinha.
Queridas professoras, ainda bem que Deus as faz professoras ainda crianças — caso contrário, o que seria dos nossos filhos???
Sempre gostei de brincar de ser uma bruxa poderosa. E não posso deixar de pensar em como gostaria que isso fosse verdade, nem que fosse por um instante só, apenas para fazer uma única magia: dar um zero a cada uma de vocês — no salário, é claro!
Regina Drummond
Posted by alone
Dated31mar2011
Nenhum comentário :
Postar um comentário